quinta-feira, 13 de março de 2008

O novo celular do presidente

O presidente Lula foi na terça-feira (4/3) à fábrica da Samsung, em Campinas (SP). Saiu de lá com um celular V820L, preparado para receber o sinal da TV digital. O telefone será colocado à venda em abril, inicialmente só em São Paulo. Ele está apto a receber o conteúdo das sete principais redes de televisão do país. Quem tiver dinheiro para comprar o aparelho dentro de um mês (em um ano o seu preço cairá pela metade) vai acessar a TV aberta da mesma forma com que hoje o faz em casa. É a primeira propriedade da TV digital terrestre que pode fazer sentido para o consumidor brasileiro.
Quando o presidente sintonizar seu receptor, no entanto, corre o risco de se decepcionar. A imagem será boa, mas o conteúdo não será diferente do que ele já deve estar cansado de ver no Palácio da Alvorada. É aí que mora o perigo.
A verdade é que a TV, tal como a conhecemos agora, está perdendo relevância com espantosa velocidade. Envelheceu sem se dar conta disso. Quando tenta ser "jovem" torna-se com freqüência patética. Os "nativos digitais" não querem saber dela há muito tempo. Perceberam que têm o direito de escolha, o que era impensável para seus pais.
Há controvérsias, é claro. O ministro das Comunicações, Helio Costa, por exemplo, acredita que a televisão brasileira é um modelo para o mundo. Falando na quarta-feira (5/3), no Acel Expo Fórum, em Brasília, ele revelou que "a televisão na Europa é ruim; é horrível. O povo europeu odeia televisão. E isso não acontece no Brasil. A nossa televisão é muito boa". E sentenciou: "O nosso conteúdo como está hoje é muito atrativo".
Não é o que acham os jovens e, em escala crescente, o resto da população. Por isso a internet consolida-se rapidamente como o principal meio de informação da sociedade. O Brasil tem hoje 40 milhões de internautas. A eles se somarão mais 5 milhões até dezembro. Isso está bem longe do pequeno nicho ao qual até ontem a internet era associada. Cerca de 40% dessas pessoas está na classe C. A internet deixou de ser coisa da elite. Chegou aonde só a televisão e o rádio chegavam. A televisão não tem opções. Ela e todas as formas de distribuição de produto audiovisual têm que suportar uma convivência incômoda.

Não é a substituição de um receptor de TV por um monitor de computador que estabelece a diferença entre a televisão de ontem e a televisão de amanhã. É a maneira como o usuário é capaz de interagir com a tela que está na sua frente, de encontrar nela o que efetivamente está procurando. As pessoas aprenderam a procurar – o que é muito diferente de escolher entre o que lhes é oferecido.
Temos que admitir que, no século 21, não é muito normal que uma pessoa saudável esteja procurando o Faustão, o Gugu ou assemelhados. O público mostra isso todos os dias, empurrando a programação tradicional para patamares de audiência muito inferiores aos que ela operava há menos de cinco anos. Transmitir essa mesma programação em alta definição não vai fazer muita diferença. O público também sinalizou isso. As transmissões digitais, que começaram em dezembro no ano passado, simplesmente não decolaram.
O que pode fazê-las decolar? No topo da lista está a mobilidade e a portabilidade. Se o presidente Lula fosse de ônibus para o trabalho, já poderia ver televisão enquanto se acotovelasse entre os outros passageiros. Isso faz um bocado de diferença. O momento de ver televisão não é mais o espaço entre a hora que um trabalhador chega em casa e a que ele vai dormir. É o tempo em que ele está no transporte ou fazendo um lanche. Tal possibilidade representa uma guinada de 180 graus no que o público e o mercado entendem por "horário nobre" – que gera 80% da receita de qualquer rede de televisão aberta.

A televisão aberta, a televisão fechada e, agora, todos os mecanismos emergentes de distribuição de conteúdo audiovisual falam com segmentos distintos da sociedade – e o que falam é bastante diferente. Não há nada de errado nisso. Na verdade, o que as emissoras mais temem é justamente o que poderá salva-las: a transformação do modelo de negócios praticado há 60 anos. Durante todo esse tempo, a televisão domesticou sua audiência. As novas gerações disseram que não querem ser parte disso. O que elas estão demonstrando é que públicos plurais demandam modelos plurais de construção de conteúdo.
A capacidade de transmissão para receptores móveis e portáteis é um exemplo paradigmático. Demanda novas formas de conteúdo, mas vai além disso. Exige fontes bastante diversificadas de produção e mecanismos que atendam a elas. É um sintoma do que acontece com todas as outras possibilidades de provimento de conteúdo audiovisual.
O novo celular que o presidente tem no bolso é semelhante aos gadgets que todos os brasileiros terão. São brasileiros de idades diferentes, níveis educacionais diferentes, classes sociais diferentes, anseios diferentes. Diante da possibilidade de opção, eles não têm razão alguma para estar querendo consumir a mesma coisa.


(Matéria de Nelson Hoineff, 11/3/2008)


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